Jair Eloi de Souza*
A alma do sertanejo está
solitária. A iminente reiterativa e continuidade da seca nos sertões do Seridó
traz desassossego para o homem deste rincão do semiárido potiguar. Já estamos
transpondo o verão, as águas de março mudaram de azimute, cortaram caminho para
o sul do Piauí, as empenas do Centro-0este para o Sudeste são um lagamar só. Os
nimbos-cúmulos não deram as caras. Chuvisco coado tocando seco na pele, só é o
que se vê. Mortandade à vista. A ausência de chuvas regulares no cinzento
alcança um período de 20 meses, somando-se 2011, 2012 e o trimestre do corrente
ano.
A
asa branca com banzo no catingote fechado, reclusa sai apenas para cruzar os
céus a procura de algum sobejo d`água lacustre. Os bandos de arribaçãs nos
carrascais faveleiros entre Jardim do Seridó e Caicó, já não são avistados. A
acauã continua misteriosa, canto sutil, pesaroso. A última vez que a vi,
limpando a poeira da penugem gasta, foi na hora vesperal do carnaval. Tinha
tirado a primeira madorna nos alpendres da Fazenda Três Riachos, mundaréu estorricado
de Elídio Queiroz. Estava escoteiro, à moda Robson Crusoé, tirando roçoi de
relâmpago que navegava nas empenas da Serra de João do Vale, e a escutei por
pouco tempo, depois calara, a chuva naquela noite não veio, foi uma decepção
coletiva e amarga.
O
Sertão é uma mudez só. Canto de anum choco, arrulho de juriti, eco compassado
de carão ribeirinho, coaxar de sapo em barreiro, pio de nambu espanta-boiada na
hora vesperal, lamentação chorosa da mãe-da-lua, nada disso se ouve. Até a
cruviana madrugadenha arribou, em seu lugar um mormaço voraz toma conta do
pedaço, abraça o quebrar-da-barra que traz um cênico de pincelada vermelha, uma
queima fosfórica de arrepiar cristão.
A
morte é a única vocação do livre pensar do homem no país dos nordestinos. Aliás, de bem dizer,
este é um penitente mecânico, foi-se sua esperança, o seu espírito, sua alma,
seu encanto pelas coisas. Antes um forte na máxima popular, hoje, tornou-se uma
mera silhueta de magrenha em osso descarnado. Falamos da morte das criações,
dos plumados que gorjeiam no seio da mãe natureza, dos filetes da grota sutil,
das abelhas que beijam amorosamente a rima das bromélias, o poema floral dos mussambês,
a melodia das cascatas nas manhãs do
abril chuvoso em ano bom. O campônio do meu sertão, nessa era de estreiteza de
chuvas, é um carreiro de vista embaçada pela neblina da incerteza, sua mente é
partilhada entre o gemido das cantadeiras do velho carro de boi e o contar das
costelas afloradas daqueles que arrastam o veículo atulhado de cardeiros
fumegados.
E os homens do poder?
Ah!...Os homens do mando político, sim senhor. Retretas de manhã, tarde e
noite, sob o olhar raposado do sitiante que os escuta pelas microfonias das
rádios à distância. Tempo de paciência, o gado morrendo, filas imensas para
comprar um saco de milho a preço de caviar. Aliás, merece dar a informação:
grãos nobres, vindo do centro-oeste, terras distantes. As terras de baixios
massapesadas e vizinhas ao grande lago Arrmando Gonçalves, não servem para
produzir emergencialmente em apenas 70 dias, o volumoso composto de grãos, do
caule e da palha. Em lugar dessa providência, preferem produzir com
exclusividade, 80% (oitenta por cento) do melão, serve ao gringo, europeu,
japonês, entram divisas, o manuseio e destinação das cifras é mais arejada.
A destruição da
cadeia produtiva em sede da produção de leite, carne, e salvação do pouco que
resta do rebanho, a última cidadela no cinzento a ofertar dignidade laboral ao
homem sitiante, não desperta visibilidade aos alcaides detentores da soberania
eleitoral. Que pena, meu sertão não era assim.
*É Professor de
direito e Secretário Municipal do Meio Ambiente de J. de Piranhas.
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