Narra-se que a maior seca de nossa história
foi a de 1877, quando quase todas as pessoas abandonaram suas casas e foram para
os cariris, fugindo para aqui não morrerem de fome.
Porém, duas negras que moravam ao lado da
capela de Nossa Senhora dos Aflitos não acompanharam os demais; preferiram elas
morrer de fome a abandonar a capela. Chamavam-se Susana e Tereza.
Todas as pessoas em retirada que passavam
defronte da casa delas insistiam
para que não fizessem aquilo. Em vão, tentavam
convencê-las a também abandonarem o povoado e escaparem da seca. Rejeitando
todos os convites, diziam aos que partiam preferir morrer de fome a abandonar Nossa
Senhora dos Aflitos.
Os retirantes, comovidos, deixavam com elas o
que podiam: um pouco de farinha, de rapadura, e seguiam viagem.
O rio Piranhas apartou de tudo, restando
apenas uma pequena cacimba de onde elas tiravam água para beber. Para aplacar a
fome, fizeram de tudo: papa d’água e sal de raiz de mufumbo, de pereiro ou de
outra qualquer que pudessem arrancar.
Um dia, nada mais encontrando para comer, saíram
pelos matos à procura de algo para amenizar a fome. Encontraram um couro velho
de cadeira, que foi colocado de molho durante todo o dia. À tarde, colocaram-no
numa vasilha com água para ferver; depois assaram, pilaram e o comeram com a
pouca farinha que ainda restava.
Viram-se obrigadas à semelhante privação pois,
de outra forma, a fome logo as derrotaria. Quando nada mais havia para comer, ficaram
ao redor da capela, rogando a proteção de Nossa Senhora dos Aflitos.
Aconteceu que Tereza, ao passar em frente à
porta principal da capela, ouviu de seu interior uma voz dizendo: “Tereza, vá
atrás da capela e fuce (cave) a terra”.
Ela, pensando ser Susana quem lhe falava,
dirigiu-se à irmã para saber o que ela queria. Como Susana negava tê-la
chamado, ambas compreenderam ser a voz de Deus ajudando-as a escapar da forme, e
a ela obedeceram.
Foram até os fundos da capela e começaram a
cavar. À medida que iam cavando, encontraram uma espécie de batata, semelhante
à de pega-pinto.
Com ela aplacaram a fome, pois sua massa seca
dava origem a uma farinha grossa, com a qual era possível fazer uma papa e uma
espécie de beiju. Com o término da estiagem e o consequente retorno dos
retirantes, estes, com surpresa, encontraram as duas negras sãs e salvas, cuja
casa ficou repleta de alimentos e de tudo o mais que eles traziam.
Elas contaram todo o sofrimento por que
passaram e, principalmente, a história da voz ouvida de dentro da capela, com a
certeza de ter sido uma benção de Deus e de Nossa Senhoria dos Aflitos, ajudando-as
a resistir até o fim. Tereza morreu em 1890 e Susana, em 1898.
Fonte: Jardim Ontem e Hoje