Eloi de Souza*
Parece uma canção distante, entremeada de
toques de chocalhos. Cada vez mais se aproximando. De repente, se percebe que
alguém vem solfejando uma toada nordestina. Os versos em aboio reboado traquejam
o gado, domam o barbatão, conduz em a
manada para o curral. É a vida do vaqueiro na terra do sol, no Nordeste
Brasileiro. Os sonhos de criança estão nos conformes daquela boiada. O cavalo
jineteia na sua estação potrã, logo se adestra no coice da gadaria, ali obedece
o mando do seu condutor. É a vida campesina; unha de gato, amorosa, pisada em
macambira, é o abrir e fechar do eito no encalço do boi. Essa sempre foi à vida
de Zezinho de Lica. Quando os tempos eram mocidade, o assento era a sela
roladeira, a água era em barreiro, a paciência era jovem e silente para
encontrar o bezerro que a vaca parida havia escondido.
Menino
falador, alegre, prosador, contador de loas. Tutano que viera de nobreza, dos
que aportaram para povoar o Seridó poente. Pereira Monteiro, a partir das
encostas da Serra do Teixeira até a Barra de São Pedro. Costa, Canzenza, vindos
dos Cariris Velhos na Paraíba, de Zé Américo, coisas de Boqueirão de cabaceira.
Rebento inquieto de uma das maiores mulheres que os Sertões do Seridó nutriram,
LICA DE JOAQUIM DE ANÁLIA. Alma boa,
afável, era Zezinho, também pudera, sua mãe, era uma Tereza de Calcutá. Uma
universidade de virtudes. Solidária, generosa, mesa farta, aguerrida, brilhante
em atitudes para com o seu semelhante,
O gemido
toado do vaqueiro nordestino ficou mais pobre, mais triste. Os arreios do seu
cavalo, cilhas, loros, estribos, não sentem mais o trato macio de Zezinho.
Quando ainda eu era o menino, que sonhava colhendo araçás e ameixas silvestre
no baixo da cachoeirinha, fins da era cinquenta, muitas vezes sai com Zezinho, mais
taludo, chamava o gado no pasto, corneta, guaraína, todas pelo nome, como se
fosse um experiente pastor ou vaqueiro de era.
Seu
alpendre em que pese a presença dos seus, será sempre um altar a sua memória, a
sua alegria, mas, nunca se vai exaurir a saudade de sua presença. A vacância
vai montar moradia. Lá se ouviam suas
loas, suas anedotas, suas histórias, seu bem-querer aos que aportavam. A
sonoridade dos velhos búzios do meu Sertão, nunca vai terminar a sinfonia
dedicada a Zezinho. Zezinho o artesão do bom queijo de manteiga, o bom papo do
aperitivo de cana caiana, o Carreiro da neblina embaçada, o amansador de burro
brabo, de potro de era, o fazedor de grandes amizades, o pai afetuoso, o marido
irreverente, mas, sempre com Maria.
Tino de rara inteligência, aliás, é de raça, o
Eugênio Pacelli, uma das mais arejadas mentes que conheço, seu irmão, cuja
grata satisfação Deus me deu de ser amigo, não fica atrás. Zezinho, o bruguês,
fazia da vida uma canção de jocosidade, de entretenimento, uma estação festiva,
de lorotas, de bem viver. Não fazia para se promover, mas, simplesmente para
ser bom, melhor para com o seu semelhante. O bruguês, não é só um lavrador
dedicado, um sitiante honesto, um campônio que amava seu torrão, Zezinho de
Lica, é uma saga bonita, guerreira, indomável, valente até pra vencer os males
da vida.
O que
fizemos hoje, em leva-lo ao jazigo, é apenas parte do seu cênico material. A
alma, o seu bom espírito, sua riqueza cidadã permanece entre nós. A corrida de
morão, as pegas de gado, a rima do aboio reboado, a canção tristonha dos
descampados do tempo, a crina do seu cavalo, a sua indumentária de couro, vamos
lembrar por muitos invernos. Espero que seja recebido na corte celestial, pela
Senhora esguia, brava, generosa, sua mãe: LICA DE JOAQUIM DE ANÁLIA, que era
também a mãe da pobreza de Jardim de Piranhas.
Em lua
crescente, se despedindo das águas de março/2013.
*É Professor de Direito e
Secretário Mun. do M. Ambiente de J. de Piranhas.
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