quinta-feira, 21 de março de 2013

ZEZINHO DE LICA: A TENDA DO BRUGUÊS ESTA MAIS TRISTE

Eloi de Souza*
 Parece uma canção distante, entremeada de toques de chocalhos. Cada vez mais se aproximando. De repente, se percebe que alguém vem solfejando uma toada nordestina. Os versos em aboio reboado traquejam o gado, domam o barbatão, conduz    em a manada para o curral. É a vida do vaqueiro na terra do sol, no Nordeste Brasileiro. Os sonhos de criança estão nos conformes daquela boiada. O cavalo jineteia na sua estação potrã, logo se adestra no coice da gadaria, ali obedece o mando do seu condutor. É a vida campesina; unha de gato, amorosa, pisada em macambira, é o abrir e fechar do eito no encalço do boi. Essa sempre foi à vida de Zezinho de Lica. Quando os tempos eram mocidade, o assento era a sela roladeira, a água era em barreiro, a paciência era jovem e silente para encontrar o bezerro que a vaca parida havia escondido.
Menino falador, alegre, prosador, contador de loas. Tutano que viera de nobreza, dos que aportaram para povoar o Seridó poente. Pereira Monteiro, a partir das encostas da Serra do Teixeira até a Barra de São Pedro. Costa, Canzenza, vindos dos Cariris Velhos na Paraíba, de Zé Américo, coisas de Boqueirão de cabaceira. Rebento inquieto de uma das maiores mulheres que os Sertões do Seridó nutriram, LICA DE JOAQUIM DE ANÁLIA. Alma boa, afável, era Zezinho, também pudera, sua mãe, era uma Tereza de Calcutá. Uma universidade de virtudes. Solidária, generosa, mesa farta, aguerrida, brilhante em atitudes para com o seu semelhante,
O gemido toado do vaqueiro nordestino ficou mais pobre, mais triste. Os arreios do seu cavalo, cilhas, loros, estribos, não sentem mais o trato macio de Zezinho. Quando ainda eu era o menino, que sonhava colhendo araçás e ameixas silvestre no baixo da cachoeirinha, fins da era cinquenta, muitas vezes sai com Zezinho, mais taludo, chamava o gado no pasto, corneta, guaraína, todas pelo nome, como se fosse um experiente pastor ou vaqueiro de era.
Seu alpendre em que pese a presença dos seus, será sempre um altar a sua memória, a sua alegria, mas, nunca se vai exaurir a saudade de sua presença. A vacância vai montar moradia.  Lá se ouviam suas loas, suas anedotas, suas histórias, seu bem-querer aos que aportavam. A sonoridade dos velhos búzios do meu Sertão, nunca vai terminar a sinfonia dedicada a Zezinho. Zezinho o artesão do bom queijo de manteiga, o bom papo do aperitivo de cana caiana, o Carreiro da neblina embaçada, o amansador de burro brabo, de potro de era, o fazedor de grandes amizades, o pai afetuoso, o marido irreverente,  mas, sempre com Maria.
 Tino de rara inteligência, aliás, é de raça, o Eugênio Pacelli, uma das mais arejadas mentes que conheço, seu irmão, cuja grata satisfação Deus me deu de ser amigo, não fica atrás. Zezinho, o bruguês, fazia da vida uma canção de jocosidade, de entretenimento, uma estação festiva, de lorotas, de bem viver. Não fazia para se promover, mas, simplesmente para ser bom, melhor para com o seu semelhante. O bruguês, não é só um lavrador dedicado, um sitiante honesto, um campônio que amava seu torrão, Zezinho de Lica, é uma saga bonita, guerreira, indomável, valente até pra vencer os males da vida.
O que fizemos hoje, em leva-lo ao jazigo, é apenas parte do seu cênico material. A alma, o seu bom espírito, sua riqueza cidadã permanece entre nós. A corrida de morão, as pegas de gado, a rima do aboio reboado, a canção tristonha dos descampados do tempo, a crina do seu cavalo, a sua indumentária de couro, vamos lembrar por muitos invernos. Espero que seja recebido na corte celestial, pela Senhora esguia, brava, generosa, sua mãe: LICA DE JOAQUIM DE ANÁLIA, que era também a mãe da pobreza de Jardim de Piranhas.
Em lua crescente, se despedindo das águas de março/2013.
                *É Professor de Direito e Secretário Mun. do M. Ambiente de J. de Piranhas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário