domingo, 15 de setembro de 2013

ENTERRE MEU CORAÇÃO, NA CURVA DO TEMPO...


...EU SOU O RIO PIRANHAS, ESTE É MEU ÚLTIMO ACENO.

Jair Eloi de Souza.
Nasci da tempestade. Era noite chuvosa. A luz que indicou meu curso foi mais que de repente. Relâmpago madrugadenho, anunciado pelas trombetas do velho trovão. Na grota sutil da Serra do Bongá o meu embrião lacrimal. Na descente o abraço do Rio do Peixe e Piancó, em Bonito de Santa Fé, fez-se a lâmina encorpada. Velejei por várzeas e mais várzeas, e beijei as terras potiguares, santuário de Padre João Maria, púlpito de Amaro Cavalcanti e as bênçãos de Nossa Senhora dos Aflitos, com a nomínica de Rio Piranhas. Ao nascer minhas fraldas eram verdejantes. Meus lençóis em limbo e ilhas ribeirinhas me aqueciam numa proteção maternal, para não perder a silhueta do corpo, o norte dos meus passos e a pureza cristalina de minhas águas, que eram abundantes.
Tive viço, fogosidade, muitas vezes me embriaguei ao enamorar a quadra chuvosa, que de tanto me querer, esboroava seu choro em demasia, lavando minha alma ribeirinha e minhas cercanias de baixios e taboleiros. Fui estação de cio e reprodução da fauna aquática: Vi o namoro da famosa garça parda, a majestade do pato de crista, as tropelias das emas em eras de monta, o andar sutil do Jacu. A canção em arrulhos da Asa Branca, A sinfonia duetada das casacas de couro, O canto compassado do carão ribeirinho caqueando o aruá. Eu era a vida, um santuário onde se colhia o mel de jandaíra, onde as pombas colombinas faziam se habitat nas arejadas sombras das oiticicas duocentenárias.
Matei a sede da gente ribeirinha e dos povos do Seridó, assim como o poço de Jacó também saciou a sede do povo de Deus. Fui coito em samambaia verde-petróleo, furnas gelatinosas de cangatís, piaus lavrados, curimatãs, cascudos, traíras, piranhas e até de pirarucus. Fiz o saudoso passeio das moiçolas de batom, penteadas a rigor, nas canoas no meu leito. As serenatas em ponteio de violão, a estação do cupido entoando velhas canções.
Fiz a ceia lauta dos que em tempos não tão distantes, não tinham opção para saciar sua fome, bastava lançar a rede, a tarrafa. O cardume do meu leito, era o menu, o pirão saboroso, para alimentar dezenas de infantes e velhinhos, que tinham como última cidadela alimentar, este velho Piranhas, hoje, na estação de lamento outonal.
Hoje enfermo. Eu, que banhei a geração dos emergentes, dos que ostentam o cênico da riqueza. Lavei tantas vezes seus artefatos, água cristalina. Hoje, me devolvem o líquido da morte nas caladas da noite. Não tenho mais limbo em samambaias verde-oliva, não ouço mais o sussurro dos cardumes em boquejo nos meus lagamares. Sou um ancião com a morte anunciada. Mas, faço o meu apelo último. Espero, encontrar pelo menos um, dentre aqueles que banhei quando infantes, que sonharam com um País do futuro, que me estenda a mão, Não tenho idade para ouvir o canto cisne. Comigo morrerão centenas de vidas inocentes.

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