O DUETO SINFÔNICO DAS CASACAS-DE-COURO – NA RIBEIRA DO PIRANHAS
Jair Eloi de Souza*
A tarde não era tristonha embora crepuscular. O vento do norte começara
a soprar e sinalizava que o frio não ultrapassaria o mês de Santana,
pois, a cruviana do pós-chuvoso, já não sibilava com tanta intensidade,
começava mesmo a minguar. O feijão na puberdade em ramas, nas vazantes,
começara a dar amostra de que o seu encriquilhamento logo terminaria e
as primeiras flores iam surgir no seu mosqueado branco, azul e roxo. O
Pindurim havia trançado o seu ninho de resíduo de plumas de algodão ou
de rosa-seda nos últimos artelhos da ingazeira ribeirinha, longe da
sanha assassina da serpente. O maçarico já encontrava os bancos de areia
grossa pedreguenha, para fazer seu ninho com pequenos gravetos e
despistar qualquer invasor. O limbo se fazia confundir com a samambaia
em decomposição, onde se podia ver o pisonhado de marrecos e carões, o
nível do Rio Piranhas voltava ao normal quando em tempo de estiagem. Nas
ilhas ribeirinhas, onde se vislumbrava o entrançado de unhas-de-gato,
jurema-d`água´, calumbi e tira-fogo, eis o coito ideal para as
casacas-de-couro estabelecerem seu ninho.
Essa ave ribeirinha,
que se confunde com pequeno gavião-caboclo, de cor predominante
vermelha, tem um cênico especial para ser apreciado pelos amantes da
natureza. Sem dúvida é um misto de cantador e de arquiteto. Se por um
lado, demarca sua presença com uma interminável seresta duetada, por
outro constrói o ninho como uma verdadeira cidadela inviolável,
inclusive para a salamandra d`água. Seu canto encanta, é uma típica
peleja, um galope à beira-mar, com primeira e segunda voz. Tem uma
vocação afetuosa diferenciada para com os seus filhotes, pois, prenuncia
a entrega da comida aos mesmos, cantando, e convivência partilhada com o
seu parceiro, quando defendem o seu habitat, a prole e a coleta de
alimentos. Na confecção do seu ninho, está o grande segredo de
sobrevivência dos seus filhotes e consequentemente da espécie. Este é
tecido de gravetos de jurema-preta, espinhenta, com forma ovolar, sempre
de entrada apertada, fechada quando o casal está garimpando alimentos
nas cercanias. Escolhem o entrançado das moitas de jurema-d`água
ribeirinha quando na estação seca, na estação chuvosa as ramas
espinhentas do umarizeiro, em lugar fresco, e de difícil acesso para
qualquer vivente. Isso acontece, quando os nimbos trazem as chuvas de
verão, o inverno nos trópicos do sertão nordestino, então começam elas, a
construção de seu ninho, num trabalho diário e ininterrupto de coleta
aos gravetos, sempre achados lavados sobre o paul acumulado nas várzeas
ou baixios, pelas primeiras enxurradas da quadra invernosa.
Não
é comum freqüentar as regiões agreste e litorânea, na Região do Trairy
já aparecem. Preferem as áreas férteis ribeirinhas, e onde as águas são
menos salobras, é que seu santuário de moradia é o grande sertão, água
doce, brisa aquática dos médios e grandes açudes, ou nas ilhotas em rio
perene, com exclusividade no Estado, em toda a ribanceira do Rio
Piranhas.
Magnânimo o viés observador de Geomar Medeiros
Brito*, quando infere às casacas-de-couro, o tom representativo do ciclo
do gado, da saga épica e cênica do couro, das vestes encouradas da
vaqueirama na caatinga sertaneja, curtidas na gorda vermelha em
cozimento da entrecasca do velho angico de catingote no Sertão.
Embora seja uma ave de muita rusticidade, não resiste a vida solitária,
se ao nascer, perecer o parceiro de sua ninhada, o sobrevivente está
fadado à morte também, e em breve período, assim acontece quando ocorre a
viuvez, esta não se prolonga, o banzo logo dá conta daquele que ficou,
nessa última situação, é realmente o similar da sururina de que falou
Catulo da Paixão Cearense, em seu Luar do Sertão.
Não é ave para
cativeiro, jamais se teve notícia de casacas-de-couro em prisão, não é
uma ave associativa, gregária, de viver em bandos pelos sertões, sua
vida em si, é simplesmente um
DUETO DE CANTO, DE EXISTÊNCIA E DE MORTE.
É Professor de Direito – UFRN.
É Juiz de Direito - da melhor lavra dos Sertões do Seridó.
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