CHICO DE TELMO, A RIMA E O VERSO DE UM POETA QUE CUIDAVA DOS MORTOS.
Jair Eloi de Souza*
Em eras idas no meu sertão, quando o coaxar do sapo-boi assombrava
infantes em madrugada invernosa. O templo católico recebia a
rasga-mortalha* em incursões noturnas. O canto sutil e compassado da
acauã, era um misto de mau agouro e prenúncio de chuvas nas terras do
cinzento. Conheci esse ilustre personagem, Chico de Telmo. Olhar aceso,
sorriso maroto, contaminava os seus convivas com sua energia de contador
de estórias e muitas vezes com seu estalo da mais genuína verve
poética. Vem de uma saga de espécie ilustre, Maria Cruz, uma canção
docente, desasnou muitas gerações, sendo filha do poliglota e poeta
latinista José Menandro. De outra feita, a matriz paternal esbarra na
silhueta esguia da paciência campônia do velho Telmo. É uma espécie de
autodidata indomável na arte de fazer rima de improviso.
O
conheci num logradouro de esquina, no velho vapor de seu Camboim, hoje
pertencente a família do paciente e generoso Manoel Gentil, a um passo
de ema da Vila citadina do velho Zé Germano Cavalcanti, onde mãe Titica
cortara o meu umbigo na nascença dos anos cinqüenta. Chico de Telmo era o
neto mais afeiçoado ao patriarca e gênio José Menandro. Tratava-o por
padim velho, e tinha acesso às relíquias literatas que pertenciam a
este, como augusto dos Anjos, seus escritos poéticos que costumava
escrever em tosco caderno de vários anos, cuja idade estava presente na
cor amarela desnaturada, mais para caramelo do que para as flores das
craibeiras em tempo de primavera setembrina.
Chico de Telmo,
sempre foi essa festa iluminada da estação da oralidade. Contador rimoso
de fatos, de proezas, traz a história da província em canto de boa
palestra. Poesia satírica, cultor de jocosidade mordaz, e não fugia nos
velhos tempos ao refrigério em paleio e pêndulo de meio-dia, sob a
sombra do tamarindo da velha Mimosa, na Rua Artur Ribas, vizinhança de
sua mãe.
Mas, como outros poetas, Chico de Telmo não fugira à
regra, ou seja, sempre levou uma vida simples, família numerosa, parcos
ganhos, embora tenha-lhe cabido o ofício de ser solidário na última
hora, quando participava do ritual de enterrar os que aqui viveram, sob o
olhar lacrimal dos respectivos parentes. Nesse instante nunca perdera a
serenidade. Atento, solícito aos que lhe procuravam, talhava o chão nos
limites de não ofender o vizinho que estava em descanso eterno, e ainda
ajudava agasalhando o sepultando na fenda sepulcral, sem esquecer os
adereços de flores em pétalas ou buquês. Meu velho pai, Eloi de Souza,
também seu amigo, nomeava esse cênico como: capricho do destino, um
poeta endereçando a São Pedro, seus novos inquilinos.
A última
vez que lhe abracei, fez versos rimosos, foi agradável, à sombra de uma
cajaraneira. Gravei um poema, e lhe prometi voltar para mais um paleio,
afinal, mesmo no anonimato, Chico de Telmo, continua a saga de um Romano
da Mãe-d`água, do negro Inácio da Caatingueira, de Hugulino o
príncipe, todos do Teixeira. Para não omitir, de um Louro do Pajeú,
Pinto do Monteiro, Nicandro Gomes e sem esquecer nosso conterrâneo e
lendário CHICO PEDRA, falecido em Mossoró.
*Professor de Direito da UFRN.
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