A JOCOSIDADE E INTELIGÊNCIA DE UM VELHO SITIANTE, JUVENAL BARÃO!
Jair Eloi de Souza
A lua penumbrava, mas era ainda o único riso de uma noite embaçada e de
sibilos sinistros. O silêncio sempre permeado pelo canto reticente, de
um velho galo que dormia empoleirado nas cercanias da choça campônia. E o
tilintar compassado dos chocalhos de algumas reses na sua gangorra
ruminante. O cênico, uma rústica casa de taipa, cuja cobertura
constituía-se de linhas de aroeira centenária, caibros e ripas de
pereiro catingueiro. Sobre os quais se assentavam velhas e rudimentares
telhas, trazidas da olaria do velho Zeca socó, no barranco do riacho do
Amparo. Chão batido, com textura caliçada. As portas de umburana, “arte
de Severino de Limpeza, um mestre, misto de pedreiro e carpinteiro à
moda antiga”.
Fogão de trempe, uma velha jarra sobre a cantareira
forrada de areia ribeirinha, com adereços de copos rústicos, que nada
mais eram, do que meias-luas de quengas de coco de coloração preta
tosca, já encrostadas pelo uso de servir água e café dependendo da
ocasião. Nos fundos da cozinha um centenário jirau, onde queijos
prensados de cor amarela escura, prontos para o racha no machado e serem
utilizados no feijão macassar passado no valente ou no arroz de leite,
feito em tigela de barro.
Nesse cenário, morava um velho sitiante
conhecido como Juvenal Barão. Pertencia aos Gonçalves da Ribeira do Rio
Piranhas, tinha uma companheira de nome Leopoldina, velha grande e
pampa, zoadenta, tiradora exímia de leite de vaca, vinda das bandas do
povo arrecursado do Juremá, no sopé da Serra do Brejo do Cruz, coisas da
Paraíba sertaneja. Barão, nos tempos de mocidade ombreava os irmãos
Ananias Gonçalves e o famoso Cícero Gago, no ofício de amansar burro
brabo para a serventia de tropas matutas, no carrego de farinha e
rapadura do Cariri.
Usava ceroulas de morim ordinário e desprezava
qualquer tipo de cueca. Aldeão fumador de cachimbo em fumo de rolo.
Passava a maior parte do tempo na gangorra ruminante de velhos cacos de
dentes. De timbre de voz ameaçador, quando se dirigia as pessoas
empregando o vocábulo “sujeito!...”. Era mesmo “tosco no trato e
generoso nas atitudes”. Corria a década de setenta, a aposentadoria do
FUNRUAL havia sido concedida pelo Governo Médice. E como demorava sair o
benefício, geralmente os anciãos recebiam a parcela do mês então e todo
o atrasado. Não havia banco fácil, guardavam os pecúlios em velhos
cafiotes*. Feitos em “madeira de lei” e revestidos com sola ponteada em
percevejos de aço.
Alguns facínoras, sabedores dessas botijas*
fáceis. Andaram matando os velhinhos, para surrupiar aquelas economias
forçadas. Uma certa noite, um sábado em minguante e era setembrina, a
primeira madorna* do casal de anciãos já fora cumprida. Havia um pacto
de silêncio, cada um ouvindo o bocejo do outro. Alguém se aproxima da
soleira* da porta da frente e sem meio termo vocifera: “Juvenal..., ou
Juvenal!... me arruma um côco d’água, venho de viagem, estou com sede”. O
velho matuto, não fez “ouvido de mercador”, mesmo sob os protestos da
velha Leopoldina disse: já me vou sujeito!..., acende a lamparina em
queima de querosene jacaré, dirige-se a jarra de barro em Cantareira de
craibeiras*, pega o côco, puluuuuungo... afogando-o n’água e encosta na
porta para atender. Mas, de forma magistral indaga do intruso, vem de
onde... sujeito? Responde o visitante sinistro: Venho da Assembléia dos
Bau, Barão. Puuuuf!.., o velho aldeão apaga a lamparina em lampejo e
arremata: Quem vem da Assembléia dos Bau, passa nas ías (nas ilhas(ilha)
de Aninha Guedes. Lá tem água pra afogar pirarucu sujeito!...Você vem
atrás de meus cobres, suma. E assim, o velho Juvenal Barão escapara da
morte. E pode continuar a nos ofertar o limbo de sua inteligência e
jocosidade mordaz. Pois, morrera aos cento e um anos de idade,
esquipando loas para os mais novos, inclusive, para esse escriba de
idade meã da Ribeira do Piranhas.
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