sexta-feira, 21 de junho de 2013

A JOCOSIDADE E INTELIGÊNCIA DE UM VELHO SITIANTE, JUVENAL BARÃO!


Jair Eloi de Souza

A lua penumbrava, mas era ainda o único riso de uma noite embaçada e de sibilos sinistros. O silêncio sempre permeado pelo canto reticente, de um velho galo que dormia empoleirado nas cercanias da choça campônia. E o tilintar compassado dos chocalhos de algumas reses na sua gangorra ruminante. O cênico, uma rústica casa de taipa, cuja cobertura constituía-se de linhas de aroeira centenária, caibros e ripas de pereiro catingueiro. Sobre os quais se assentavam velhas e rudimentares telhas, trazidas da olaria do velho Zeca socó, no barranco do riacho do Amparo. Chão batido, com textura caliçada. As portas de umburana, “arte de Severino de Limpeza, um mestre, misto de pedreiro e carpinteiro à moda antiga”.
Fogão de trempe, uma velha jarra sobre a cantareira forrada de areia ribeirinha, com adereços de copos rústicos, que nada mais eram, do que meias-luas de quengas de coco de coloração preta tosca, já encrostadas pelo uso de servir água e café dependendo da ocasião. Nos fundos da cozinha um centenário jirau, onde queijos prensados de cor amarela escura, prontos para o racha no machado e serem utilizados no feijão macassar passado no valente ou no arroz de leite, feito em tigela de barro.
Nesse cenário, morava um velho sitiante conhecido como Juvenal Barão. Pertencia aos Gonçalves da Ribeira do Rio Piranhas, tinha uma companheira de nome Leopoldina, velha grande e pampa, zoadenta, tiradora exímia de leite de vaca, vinda das bandas do povo arrecursado do Juremá, no sopé da Serra do Brejo do Cruz, coisas da Paraíba sertaneja. Barão, nos tempos de mocidade ombreava os irmãos Ananias Gonçalves e o famoso Cícero Gago, no ofício de amansar burro brabo para a serventia de tropas matutas, no carrego de farinha e rapadura do Cariri.
Usava ceroulas de morim ordinário e desprezava qualquer tipo de cueca. Aldeão fumador de cachimbo em fumo de rolo. Passava a maior parte do tempo na gangorra ruminante de velhos cacos de dentes. De timbre de voz ameaçador, quando se dirigia as pessoas empregando o vocábulo “sujeito!...”. Era mesmo “tosco no trato e generoso nas atitudes”. Corria a década de setenta, a aposentadoria do FUNRUAL havia sido concedida pelo Governo Médice. E como demorava sair o benefício, geralmente os anciãos recebiam a parcela do mês então e todo o atrasado. Não havia banco fácil, guardavam os pecúlios em velhos cafiotes*. Feitos em “madeira de lei” e revestidos com sola ponteada em percevejos de aço.
Alguns facínoras, sabedores dessas botijas* fáceis. Andaram matando os velhinhos, para surrupiar aquelas economias forçadas. Uma certa noite, um sábado em minguante e era setembrina, a primeira madorna* do casal de anciãos já fora cumprida. Havia um pacto de silêncio, cada um ouvindo o bocejo do outro. Alguém se aproxima da soleira* da porta da frente e sem meio termo vocifera: “Juvenal..., ou Juvenal!... me arruma um côco d’água, venho de viagem, estou com sede”. O velho matuto, não fez “ouvido de mercador”, mesmo sob os protestos da velha Leopoldina disse: já me vou sujeito!..., acende a lamparina em queima de querosene jacaré, dirige-se a jarra de barro em Cantareira de craibeiras*, pega o côco, puluuuuungo... afogando-o n’água e encosta na porta para atender. Mas, de forma magistral indaga do intruso, vem de onde... sujeito? Responde o visitante sinistro: Venho da Assembléia dos Bau, Barão. Puuuuf!.., o velho aldeão apaga a lamparina em lampejo e arremata: Quem vem da Assembléia dos Bau, passa nas ías (nas ilhas(ilha) de Aninha Guedes. Lá tem água pra afogar pirarucu sujeito!...Você vem atrás de meus cobres, suma. E assim, o velho Juvenal Barão escapara da morte. E pode continuar a nos ofertar o limbo de sua inteligência e jocosidade mordaz. Pois, morrera aos cento e um anos de idade, esquipando loas para os mais novos, inclusive, para esse escriba de idade meã da Ribeira do Piranhas.

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