Dados da Justiça foram acumulados entre 2008 e 2012. Especialistas afirmam que na estatística estão agressoras de homens e de outras mulheres
A Lei Maria da Penha nasceu em 2006 para proteger
mulheres contra a violência doméstica. Mas dados inéditos do Ministério
da Justiça (MJ) revelam: elas também vão para a cadeia enquadradas na
legislação.
Levantamento feito pelo iG
no banco virtual do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão
do MJ, mostra que cerca de dois mil homens são presos anualmente por
agredirem suas parceiras. Em meio ao comportamento violento masculino,
140 mulheres foram detidas nos últimos cinco anos por - nos dizeres da
lei - “causarem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e
dano moral ou patrimonial” contra pessoas que convivem no mesmo
ambiente familiar.
Os registros de prisões são referentes a dezembro de 2008
(primeiro semestre de análise que discrimina os crimes cometidos) e
dezembro de 2012. As estatísticas são atualizadas todo semestre e as
mais atuais foram disponibilizadas há um mês.
Os dados não traçam o perfil das vítimas, o que
impossibilita saber quantos são homens e quantos são mulheres entre os
agredidos pelas 140 detidas.
O número detecta simplesmente o uso de violência por
parte das mulheres. Na outra ponta da agressão, segundo especialistas,
estão namorados, noivos e maridos, mas também violentadas em relações
homoafetivas, além de filhas, mães e irmãs vitimadas por agressoras.
Cigarro apagado no peito
Todos os ouvidos pela reportagem, incluindo o
empresário C.B, 35 anos, que recorreu à proteção da Lei Maria da Penha
após ser ameaçado de morte e conviver com a cicatriz de um cigarro
apagado no peito pela a ex-mulher, fizeram questão de ressaltar que a
violência perpetrada por uma mulher ainda é minoria.
As estatísticas endossam a prevalência de
homens, já que as encarceradas com base na legislação representam 0,88%
da quantidade de homens penitenciados no período analisado (15.889 no
total). Veja no gráfico abaixo:
“É lamentável que, em pleno século 21, os
homens ainda ataquem suas mulheres. E isso acontece muito”, lamenta o
empresário, que prefere o anonimato.
Ele ganhou a proteção da Lei Maria da Penha contra a
ex-mulher em 2008 e ainda convive com as sequelas da violência. “Mas
assim como as mulheres, em um dado momento, sentiram necessidade de
criar meios, leis e entidades para se defender da agressão dos homens, o
gênero masculino vive hoje um momento parecido”, diz. “Um momento em
que se faz necessária a criação de entidades às quais se possa recorrer
para receber orientação, receber apoio”.
Divergências
Entre estudiosos e juristas, a utilização da
Lei Maria da Penha para proteger vítimas masculinas não é consenso.
“Achamos inadmissível usá-la em favor dos homens”, avalia Ana Teresa
Iamarino, do departamento de enfrentamento da violência contra a mulher,
da Secretaria Especial de Políticas Para Mulheres, ligada ao governo
federal.
“A lei foi criada justamente para beneficiar mulheres,
aquelas que vivem uma relação desigual de poder, de força e de opressão.
Nosso acompanhamento mostra que quando a lei é usada em favor deles, as
decisões acabam revogadas. Estes casos que resultam em prisões de
mulheres, em geral, são para beneficiar outras mulheres, principalmente
as vítimas de violência em relações homoafetivas”, analisa Ana Teresa.
Já o advogado Zoroastro Teixeira, que atua no Mato Grosso
e é especializado em direito de família, contesta a restrição. Em 2008,
ele conseguiu que o cliente fosse protegido pela Lei Maria da Penha,
após provar as agressões e ameaças por parte da ex-companheira. Alegou
que todos são iguais perante as leis, invocando o chamado princípio de
isonomia.
Desde então orienta outros colegas “de
Brasília, Rio Grande do Sul e Ceará” com demandas parecidas. “Quando o
homem é vítima de violência doméstica, não tem as garantias processuais e
a força da Lei Maria da Penha. É a via mais rápida para afastar a
agressora da vítima”, acredita. “Na minha avaliação, por excluir o homem
desta proteção, a lei fere o princípio de isonomia e é
inconstitucional. Mas eu a usei para proteger um homem violentado e
humilhado”.
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