sexta-feira, 24 de maio de 2013

Lei Maria da Penha coloca 140 mulheres na cadeia

Dados da Justiça foram acumulados entre 2008 e 2012. Especialistas afirmam que na estatística estão agressoras de homens e de outras mulheres

A Lei Maria da Penha nasceu em 2006 para proteger mulheres contra a violência doméstica. Mas dados inéditos do Ministério da Justiça (MJ) revelam: elas também vão para a cadeia enquadradas na legislação.
Levantamento feito pelo iG no banco virtual do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), órgão do MJ, mostra que cerca de dois mil homens são presos anualmente por agredirem suas parceiras. Em meio ao comportamento violento masculino, 140 mulheres foram detidas nos últimos cinco anos por - nos dizeres da lei - “causarem morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” contra pessoas que convivem no mesmo ambiente familiar.
Divulgação
Interpretação da Lei Maria da Penha, criada para proteger a vítima de violência doméstica, ainda causa polêmica: há 140 mulheres presas hoje, enquadradas na lei

Os registros de prisões são referentes a dezembro de 2008 (primeiro semestre de análise que discrimina os crimes cometidos) e dezembro de 2012. As estatísticas são atualizadas todo semestre e as mais atuais foram disponibilizadas há um mês.
Os dados não traçam o perfil das vítimas, o que impossibilita saber quantos são homens e quantos são mulheres entre os agredidos pelas 140 detidas.
O número detecta simplesmente o uso de violência por parte das mulheres. Na outra ponta da agressão, segundo especialistas, estão namorados, noivos e maridos, mas também violentadas em relações homoafetivas, além de filhas, mães e irmãs vitimadas por agressoras.
Cigarro apagado no peito
Todos os ouvidos pela reportagem, incluindo o empresário C.B, 35 anos, que recorreu à proteção da Lei Maria da Penha após ser ameaçado de morte e conviver com a cicatriz de um cigarro apagado no peito pela a ex-mulher, fizeram questão de ressaltar que a violência perpetrada por uma mulher ainda é minoria.
As estatísticas endossam a prevalência de homens, já que as encarceradas com base na legislação representam 0,88% da quantidade de homens penitenciados no período analisado (15.889 no total). Veja no gráfico abaixo:

Presos pela Lei Maria da Penha

Mulheres também vão para cadeia, mas homens são a grande maioria dos detidos
Depen

“É lamentável que, em pleno século 21, os homens ainda ataquem suas mulheres. E isso acontece muito”, lamenta o empresário, que prefere o anonimato.
Ele ganhou a proteção da Lei Maria da Penha contra a ex-mulher em 2008 e ainda convive com as sequelas da violência. “Mas assim como as mulheres, em um dado momento, sentiram necessidade de criar meios, leis e entidades para se defender da agressão dos homens, o gênero masculino vive hoje um momento parecido”, diz. “Um momento em que se faz necessária a criação de entidades às quais se possa recorrer para receber orientação, receber apoio”. 
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Juristas e estudiosos divergem quanto ao uso da lei para enquadrar agressoras
Divergências
Entre estudiosos e juristas, a utilização da Lei Maria da Penha para proteger vítimas masculinas não é consenso. “Achamos inadmissível usá-la em favor dos homens”, avalia Ana Teresa Iamarino, do departamento de enfrentamento da violência contra a mulher, da Secretaria Especial de Políticas Para Mulheres, ligada ao governo federal.
“A lei foi criada justamente para beneficiar mulheres, aquelas que vivem uma relação desigual de poder, de força e de opressão. Nosso acompanhamento mostra que quando a lei é usada em favor deles, as decisões acabam revogadas. Estes casos que resultam em prisões de mulheres, em geral, são para beneficiar outras mulheres, principalmente as vítimas de violência em relações homoafetivas”, analisa Ana Teresa.
Já o advogado Zoroastro Teixeira, que atua no Mato Grosso e é especializado em direito de família, contesta a restrição. Em 2008, ele conseguiu que o cliente fosse protegido pela Lei Maria da Penha, após provar as agressões e ameaças por parte da ex-companheira. Alegou que todos são iguais perante as leis, invocando o chamado princípio de isonomia.
Desde então orienta outros colegas “de Brasília, Rio Grande do Sul e Ceará” com demandas parecidas. “Quando o homem é vítima de violência doméstica, não tem as garantias processuais e a força da Lei Maria da Penha. É a via mais rápida para afastar a agressora da vítima”, acredita. “Na minha avaliação, por excluir o homem desta proteção, a lei fere o princípio de isonomia e é inconstitucional. Mas eu a usei para proteger um homem violentado e humilhado”.

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