quarta-feira, 31 de julho de 2013

Um olhar sobre a pobreza num mundo em desenvolvimento


O número de pessoas vistas dormindo nas ruas de Londres cresceu em um ano.  A notícia saiu publicada na revista  “The Economist” da semana passada, e vem com  números com aquele preciosismo que só os britânicos conseguem ter: há um ano havia 3.017 mendigos londrinos, contra 6.437 deste ano.  Uma diferença na forma de contar  essas pessoas pode ser a explicação para o  aumento, alerta o texto, já que uma rede social local decidiu acrescentar ao número de indigentes aqueles que tinham a intenção de dormir na rua, não apenas os que já foram encontrados acomodados nas calçadas.
Seja como for, estamos falando de pobreza num país que ocupou o 26º lugar no relatório do Pnud (Programa das Nações Unidas de Desenvolvimento) deste ano.
Nesta semana, a mesma “The Economist” publicou outra reportagem sobre o assunto pobreza, desta vez focando os subúrbios dos Estados Unidos.  Não é difícil puxar da lembrança alguma imagem desses locais frequentemente retratados em filmes como o paraíso na Terra. Ruas limpas, casas com gramas verdinhas, sem muros, crianças brincando felizes e poucos carros. Pelo que se viu nas estatísticas, no entanto, isso mudou.
Durante a bolha do mercado imobiliário, diz a reportagem, muitas pessoas com má pontuação de crédito mudaram-se para os subúrbios. Os imigrantes, perseguindo o sonho americano de casas sem cercas, também foram parar lá. Fato é que, segundo o livro “Confronting  Suburban Poverty in America”, de Elizabeth Kneebone  e Alan Berube , entre 2000 e 2010, o número de pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza nos subúrbios dos Estados Unidos cresceu 53%, enquanto nas cidades há mais 23% de pobres.
Se em lugar nenhum ser pobre é bom, segundo a reportagem, lá também não é. Algumas pessoas foram entrevistadas, dando conta de privações como falta de transporte público eficiente (aquele trem bonito que se vê no seriado “Mad Men” parece estar mesmo só na ficção)  e falta de solidariedade entre a vizinhança. Afinal, a vizinhança não está acostumada a lidar com a pobreza.
Melgaço, no Pará, é a cidade com o pior IDH do país, diz o Atlas de Desenvolvimento Humano do Brasil
Estimulada pela divulgação do “Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil”, que mostrou que os municípios do Norte e Nordeste, que no fim do século passado eram nossos “eternos bolsões de pobreza” tiveram a maior evolução de renda, decidi procurar quem me ajudasse a entender a face da pobreza nesse mundo em desenvolvimento. Afinal, desde que fiz uma entrevista com o economista indiano e Prêmio Nobel Amartya Sen, o criador do IDH (publicada em maio de 2012 na revista Razão Social), em que ele próprio confidenciou que julga agora o índice como algo incompleto “uma forma bruta de representar qualquer coisa” , fico sempre com um pé atrás com estatísticas sobre pobreza.
Seria pretensão demais, é claro, desvendar os multidiversos pontos que se abrem quando a gente começa a ler sobre o tema.  Mas sempre é bom trazer novos autores à discussão.
Majid Rahnema  foi representante do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) em Mali, na África,  lecionou na Universidade da Califórnia, e agora vive na França, onde prepara o livro “The Alternative Development Reader” que deve ser lançado pela Zed Books. No artigo “Pobreza”, um dos que compõem a segunda edição do livro “The Development Dictionary”, organizado por Wolfgang Sachs, ele passeia pela história da pobreza, lembrando que foi em 1948 que o Banco Mundial, num de seus relatórios, correlacionou o problema da penúria global com o PIB.
“Ele (o Banco Mundial) postulou que os países com uma renda per capita média menor do que cem dólares são, por definição, pobres e subdesenvolvidos.  E expressou também a responsabilidade das nações ricas, a maior delas sendo os Estados Unidos, de ajudar os países pobres a crescerem e alcançarem seu padrão de vida”, diz Rahnema.
Foi a partir daí que, na opinião do autor, a noção de riqueza passou a ser a mesma para todos, independentemente da cultura ou do tamanho das regiões. “A era industrial colapsou a cultura das sociedades”.  Criou-se um conjunto de referências universais e os pobres passaram a se julgar assim por não terem aquilo que os ricos têm. Não entraram aí nenhuma preocupação com a questão da overdose de consumo, nem da escalada violenta contra os recursos naturais. E os programas sociais organizados para livrar os pobres da condição de pobreza, quer sejam do governo ou de corporações e associações,  tiveram como meta o emprego, a geração de renda e o acesso aos serviços públicos.  Assim, padronizados.
“E a pobreza econômica era agora vista, em escala global, como uma vergonha ou um flagelo”, diz o autor. “Os programas de alívio da pobreza afirmam ser baseados num conjunto de necessidades humanas”.
Quais são essas necessidades? Amartya Sen tem, agora, essa dúvida. A ideia de criar um índice que especificasse as necessidades surgiu em 1989, numa conversa com o também economista indiano Mahbub ul Haq, onde os dois se sentiam incomodados com o PIB, que só olha para a questão de renda, sem criar a noção necessária de desenvolvimento que se quer.
“Se eu lhe perguntar como está sua vida, você vai me dizer 137? Não. Então resolvemos criar este índice que inclui mais variáveis e ficamos com a longevidade, educação e renda per capita. Mas eu hoje poderia incluir pelo menos outros dez fatores.”, disse Amartya Sen, antes de concluir:  “Os índices são só analogias. Um índice é antipensamento,  antipoesia. Não podemos nos concentrar tanto neles. Há liberdades muito importantes que não estão nos índices, por exemplo”.
Descontruída a medição da riqueza, o conceito de pobreza também pode ser revisitado?  “Na Europa, em várias eras, os pobres eram pessoas consideradas com respeito porque tinham apenas perdido, ou ficado na iminência da perda, a sua âncora. Em muitas culturas, o pobre não era sempre considerado o oposto do rico”, diz  Rahnema. Diferente da miséria, que tira do indivíduo a potência, a pobreza não.
Termino a reflexão sem conclusão, é claro. Melhor: conto a história de João (nome fictício), dono de um pequeno restaurante na Feira de Caruaru, de origem familiar pobre, com pouco estudo, que seguiu a rota da maioria de seu povo, na década de 80, quando foi buscar trabalho em São Paulo. Nunca conseguiu ocupação formalmente qualificada, mas fez muitos bicos. Até que se cansou, voltou para casa e, com insistência e trabalho duro, conseguiu se tornar o que o sistema econômico atual chama de empreendedor, ou seja, alguém que dá duro e ganha pouco, mas sai da miséria.  E virou um número positivo no Atlas do Desenvolvimento Humano brasileiro.
A história de João e de outros tantos batalhadores tenho lido no excelente livro de Jessé Souza, já falei sobre ele aqui, “Os batalhadores brasileiros – Nova classe média ou nova classe trabalhadora?”

Nenhum comentário:

Postar um comentário